quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Moradores de Santo Antônio do Descoberto acusam polícia de abuso da força

CORREIO BRAZILIENSE, 25 de janeiro de 2011

Protesto contra o prefeito de Santo Antônio do Descoberto leva cerca de 2,5 mil moradores a fecharem a DF-280. Foi o estopim para vários confrontos com a PM. Civis acusam a polícia de uso excessivo de força


Durante seis horas, a DF-280, principal via que liga Brasília a Santo Antônio do Descoberto (GO), município localizado a 45km da capital federal, ficou interditada depois que cerca de 2,5 mil moradores da cidade — 3% de uma população estimada em 63.166 habitantes —impediram a entrada e a saída de veículos ao atearem fogo a pneus e galhos de árvores. Eles protestavam contra a gestão do prefeito David Leite da Silva (PR). “Queremos a saída dele. Ele deixou nossa cidade às moscas”, afirma um dos líderes do movimento, o representante de vendas Daniel Rodrigues Nascimento, 21 anos.

Ao longo do dia, ocorreram vários confrontos entre manifestantes e 70 policiais militares, entre eles, 20 soldados da tropa de choque. Durante os embates, a Câmara de Vereadores e a prefeitura da cidade foram apedrejados e tiveram várias janelas quebradas.

Para conter a rebelião, a PM utilizou spray de pimenta, balas de borracha e cápsulas de gás lacrimogêneo. Por volta das 6h30, cerca de uma hora após o início da manifestação, passageiros de um ônibus da Taguatur — única empresa em circulação na cidade — queimaram um coletivo ao saber que a entrada do município estava fechada. “O ônibus estava cheio. Tinha gente em pé. Quando soubemos que não tinha como sair daqui, nós quisemos descer, mas o cobrador disse que não poderia devolver as passagens (cujo valor era de R$ 3,20). Por isso, alguns tacaram fogo”, lembra o eletricista Ronan Rodrigo Santos, 36 anos. Segundo a empresa de ônibus, outros oitos carros foram apedrejados.

Levantamento feito pela corporação aponta que pelo menos quatro pessoas tiveram ferimentos leves - três policiais e um manifestante -, mesmo número de civis detidos por desacato a autoridade e danos a patrimônios públicos e privados. No entanto, a reportagem do Correio acompanhou a ação e conseguiu localizar outras pessoas que foram alvo da resposta vinda da Polícia Militar, que atuou em pontos estratégicos, como a entrada da cidade, a prefeitura, a Câmara de Vereadores e a rodoviária. “Eu já estava voltando para casa, não estava envolvido na manifestação, quando acabei atingido na nuca por um tiro de borracha. Estou passando mal aqui”, desabafou o gesseiro Francisco de Assis Venâncio Silva, 44.

Um dos confrontos entre civis e PMs aconteceu na mesma praça onde fica a paróquia Santuário de Santo Antônio, próxima à entrada da cidade. Após ouvir a confusão, o padre Marcelo Vieira Júnior correu para abrir as portas da igreja, que acabou servindo de abrigo para a população. “Eu estava dormindo em casa, quando acordei com o barulho da polícia batendo no meu vizinho, que estava indo trabalhar e não tinha nada a ver com o que estava acontecendo. Quando soube da manifestação, fui até a paróquia para que as pessoas pudessem se abrigar lá. Ninguém pode dar tiros na igreja. É um lugar de Deus”, declarou o sacerdote.

Há vários relatos de que policiais militares chegaram a atirar balas letais contra os manifestantes. “Eu vi três policiais efetuando tiros de verdade. Cheguei a pegar duas cápsulas usadas. Não entendo para que isso, se nós nem estávamos armados”, revoltou-se a cozinheira Ozéia Ferreira dos Santos, 53 anos, mostrando as duas cápsulas de pistola .40. Jornalista de TV local, Paulo Henrique Diniz Gomes, 28, localizou em uma rua da cidade outras seis cápsulas deflagradas. O repórter chegou a ser ferido por um disparo de borracha. “Eu estava em frente à igreja. O policial viu que eu estava trabalhando e atirou nas minhas costas”, acusou o rapaz. Ninguém chegou a ser alvejado pelos projéteis letais.

Segundo o major Flávio Antônio de Lima, que comandou o efetivo de 50 policiais militares da 11ª Companhia Independente da PM, houve uso de arma de fogo de efeito letal após manifestantes quebrarem a grade da Prefeitura do município. “Soube apenas que efetuaram disparos em frente ao órgão, mas não sei dizer quantos tiros deram”, declarou Flávio. “Até agora, soubemos de apenas um civil ferido. Ele nos procurou com um dos braços ferido por uma bala de borracha. Vamos apurar o que aconteceu com ele”, finalizou o major.

A Secretaria de Segurança do Estado de Goiás vai apurar o comportamento dos militares envolvidos na ação. “Já determinamos um análise rigorosa do caso para verificar se houve uso excessivo de força por parte dos policiais e também dos civis. Caso seja encontrado desrespeito ao Procedimento Operacional Padrão (POP), os autores serão devidamente punidos e será aberto um processo na Corregedoria da PM”, posicionou-se o secretário João Furtado, por meio da assessoria de comunicação.

Reivindicações - “Nós não queríamos que ocorressem atos bárbaros, como os que aconteceram na prefeitura e na rodoviária. Esperávamos por algo pacífico. Estávamos à espera da resposta do prefeito, pois pedimos que ele nos dê uma posição sobre o que acontece na cidade”, ponderou um dos líderes do ato, Daniel Rodrigues. A população de Santo Antônio do Descoberto sofre com as precárias condições dos serviços públicos da região desde o primeiro ano de mandado do prefeito David Leite.

Entre as providências que os moradores exigem está a melhoria no Hospital Municipal da cidade. “Muitos dos pacientes precisam ser levados para hospitais do DF porque as unidades daqui afirmam não ter condições para atender alguns casos. Não temos remédios. Há 18 postos de saúde, mas não temos médicos”, apontou o vice-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Santo Antônio do Descoberto, Francisco das Chagas Fernandes da Silva, 38 anos.

O transporte público foi um dos serviços mais citados entre os manifestantes. “Temos uma única empresa, a Taguatur. Por isso, não temos concorrência e não temos saída”, diz o vendedor Daniel Horário de Sousa, 30 anos. Nem o cemitério escapa das reclamações. “Não tem nem mais vaga para enterrar as pessoas. Temos que enterrar em uma área ao lado do cemitério, só que não há nem proteção”, aponta Francisco das Chagas.

A educação também é uma das preocupações da cidade. “A educação está a desejar. No ano passado, mesmo ficamos em greve por um mês. Pedimos aumento de salário. Os alunos saíram muito prejudicados”, conta a professora da educação fundamental, Rosimeire Souza e Silva, 32. “A última vez que construíram uma escola foi em 2006”, afirma o vice-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos.

Orientações - Manual que orienta a forma mais segura de agir durante uma abordagem policial. Segundo dados da Polícia Militar do Estado de São Paulo, órgão que criou o procedimento, os dados comprovam que na medida em que o PM atua de acordo com o POP, diminui sua exposição ao risco e a probabilidade de práticas abusivas.

Descaso e desrespeito - Por melhor que tenha sido a articulação das lideranças comunitárias, 2,5 mil pessoas não deixam suas casas, perdem um dia de trabalho ou correm o risco de enfrentar um batalhão policial não fosse o cansaço extremo com o descaso das autoridades e o desrespeito dos empresários. Há tempos, as comunidades do Entorno, invisíveis aos olhos do poder público, cobram políticas adequadas em setores essenciais, como saúde, educação, segurança e transporte. Os governos passam e a dura realidade dos municípios do Entorno em nada muda.

Os moradores de Santo Antônio do Descoberto, a 45 quilômetros de Brasília, têm razão quando vão às ruas protestar por seus direitos como cidadãos. Mas se deixaram confundir com aqueles que combatem quando apelaram para o vandalismo, a violência e o confronto com os agentes de segurança pública. A destruição do patrimônio público e privado em nada colabora para a solução das mazelas estruturais, realidade comum às cidades vizinhas da capital da República.

O conflito, apesar de condenável, é um alerta sobre o grau de insatisfação das populações vizinhas, que, em grande parte, são mão de obra na capital da República. A mudança promete vir por meio da Secretaria Nacional de Desenvolvimento do Centro-Oeste, que insere Santo Antônio do Descoberto entre os 10 primeiros municípios com maior prioridade de ação.


Depois de manifestações, cidade amanhece em paz
Depois de um dia recheado de protestos, o município de Santo Antônio do Descoberto (GO) - localizado a 45km de Brasília - amanheceu, nesta terça-feira (25/1), em paz. O comércio funciona normalmente e os ônibus da Taguatur, que alguns foram incendiados e depredados, já voltaram a circular. De acordo com a Polícia Militar da cidade, a situação está bastante tranquila. Houve apenas um reforço da tropa de choque da 11ª Companhia de Polícia Militar Independente para garantir a segurança no município, caso as manifestações voltem a acontecer.

Durante seis horas de segunda-feira (24/1), cerca de 2 mil moradores impediram a entrada e saída de veículos na DF-280, rodovia que liga Santo Antônio do Descoberto a Brasília. Os manifestantes atearam fogo em pneus, galhos e até ônibus. Segundo os moradores, o protesto aconteceu contra o caos instalado na cidade em todos os setores, como saúde e transporte público.

Ao longo do dia, ocorreram vários confrontos entre os manifestantes e os 70 policiais militares, entre eles, 20 soldados da tropa de choque. Durante os embates, a Câmara de Vereadores e a prefeitura da cidade foram apedrejados e tiveram várias janelas quebradas. Para conter a rebelião, a PM utilizou spray de pimenta, balas de borracha e cápsulas de gás lacrimogêneo.

Resposta - Após a manifestação o prefeito David Leite embarcou para Goiânia para se reunir com o governador de Goiás, Marconi Perillo. O objetivo é conseguir o adiantamento de verba para começar a investir em áreas problemáticas de Santo Antônio do Descoberto.



Nenhum comentário:

Postar um comentário