VALOR ECONÔMICO, 26 de maio de 2011
A Caixa Econômica Federal, que detém 40,6% do financiamento à habitação, considerando-se apenas a fonte poupança, prevê uma situação crítica a partir do segundo trimestre de 2012. Santander e HSBC estão monitorando de perto o ritmo de captação, enquanto Bradesco e Itaú, com saldos mais robustos da aplicação, ainda trabalham com um cenário de disponibilidade até 2013.
A poupança, principal fonte de financiamento do crédito imobiliário, pode ser insuficiente para atender a demanda do setor antes mesmo de 2013, data limite com a qual vinham trabalhando os bancos que atuam na área. Por conta disso, instituições começam a computar em seus cenários que enfrentarão a escassez de funding para o crédito imobiliário já a partir do ano que vem.Entre os nomes que estão revisando a sua base de recursos frente à forte procura está a Caixa Econômica Federal, que detém, sozinha, 40,6% do financiamento à habitação, considerando-se só aqueles feitos com os recursos da caderneta. O banco federal prevê uma situação crítica a partir do segundo trimestre de 2012. Com a pulga atrás da orelha estão ainda os estrangeiros HSBC e Santander, que têm monitorado de perto a velocidade da captação em relação às novas contratações de empréstimo, para medir em que tempo a poupança vai rarear. Bradesco e Itaú, com saldos mais robustos da aplicação, ainda trabalham com disponibilidade até 2013.
Com o recente ciclo de alta da Selic, a poupança registra, desde o início do ano, saídas sucessivas de recursos e a captação, até o dia 19, estava negativa em quase R$ 2 bilhões, em comparação aos R$ 4,2 bilhões positivos observados no mesmo intervalo em 2010. Na outra ponta, os desembolsos mensais para financiar a aquisição de moradias, construção e reformas estão quase 60% maiores do que um ano antes. A taxa de crescimento supera e muito os 40% previstos pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Pelas estatísticas da entidade, até abril as novas contratações somavam R$ 22,2 bilhões, expansão de 54,7% em relação ao mesmo período de 2010. A seguir esse ritmo, a marca de R$ 70 bilhões estimada para o ano deve ser superada, mas ainda não houve revisão.
Segundo Teotônio Rezende, consultor da vice-presidência de governo da Caixa, no fim do primeiro trimestre de 2012 os bancos estarão superaplicados no direcionamento básico da caderneta - o Banco Central (BC) determina que 65% da captação seja destinada ao crédito imobiliário.
"Haverá uma incapacidade. Mesmo mantendo o ritmo normal de crescimento (da caderneta), a aplicação dos recursos avança em velocidade superior ao dobro da captação. Por isso a convicção de que novos instrumentos de "funding" serão necessários para complementar a poupança", diz.
O banco federal encerrou o primeiro trimestre com um saldo de R$ 132,6 bilhões em depósitos de poupança, com acréscimo de 2,4% em relação a dezembro e de 19,08% sobre março de 2010. Até março, destinou R$ 16 bilhões à habitação (operações com recursos da poupança), com crescimento de 60%.
Depois de se valer da securitização, empacotando numa emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) ativos gerados pelo banco, a Caixa tem na oferta de Letras de Crédito Imobiliário (LCI) a seus clientes um paliativo. "Só que a LCI não é uma alternativa sustentável no longo prazo porque o custo de captação é mais elevado e o histórico é de curto prazo, diferentemente da poupança, que, apesar de ser um ativo de liquidez imediata, ao longo de 40 anos não apresentou grandes flutuações."
No Santander, os depósitos da caderneta encolheram 0,4% entre janeiro e março, com incremento de 17,1% em 12 meses, a R$ 30,2 bilhões, enquanto o crédito imobiliário avançou 32,2% em doze meses, indo a R$ 12,8 bilhões. "O cenário de esgotamento do "funding" da poupança varia de instituição para instituição, mas, se a caderneta assumir ritmo menor e os ativos crescerem mais, o muro fica mais próximo", diz o diretor de negócios imobiliários, Roberto Machado. "Neste ano há o agravante da alta dos juros. A caderneta perdeu competitividade para outros investimentos, mesmo com o benefício fiscal. Tem que ser poupador convicto para ficar."
A alta dos juros que remuneram os títulos do governo também dificulta a securitização, já que o risco percebido pelo investidor nos papéis privados é maior e ele acaba exigindo prêmio adicional para adquirir os ativos, continua Machado. Enquanto se encaminham as discussões sobre novos instrumentos complementares, como o "covered bond" (espécie de CDB imobiliário), uma alternativa rápida que o governo poderia adotar é a liberação da parcela de 30% do recolhimento compulsório ao BC que os bancos têm de cumprir sobre as captações da poupança, diz.
Se a caderneta mantiver captação negativa, a conta de que o recurso da poupança será insuficiente para suprir a expansão do crédito a partir de 2013 naturalmente se acelera, diz o diretor de crédito imobiliário do HSBC, Antonio Barbosa. "Com expansão da ordem de 60% nos financiamentos e o decréscimo nos balanços da poupança, a vida para todo mundo fica mais complicada." Ele conta que o banco inglês tem poupança disponível para tocar o crescimento em 2011, com desembolsos previstos de R$ 2 bilhões, o dobro do ano passado, e que tem se valido também das LCI, o que dá certo fôlego para avançar em 2012. Mas já a partir do ano que vem outras formas precisam ser estudadas.
No Bradesco, as novas contratações de empréstimos somaram, só nos três primeiros meses do ano, R$ 3,7 bilhões, 37% da originação prevista para todo 2011, e não há intenção do banco de colocar o pé no freio, diz o diretor de crédito imobiliário, Cláudio Borges. Nesse mesmo intervalo, a poupança cresceu 2,2%, a R$ 54,6 bilhões. Uma das saídas que o banco vê é se desfazer dos CRI que adquiriu no mercado e que servem para cumprir o direcionamento obrigatório da poupança.