quinta-feira, 5 de maio de 2011

Commodities determinam como controlar núcleo da inflação

FOLHA DE S. PAULO, Geraldo Barros, 4 de maio de 2011


Autoridades econômicas e analistas, no Brasil e no exterior, até há pouco, apostavam que o impacto da alta das commodities (alimentos, fibras, minérios e energia) sobre a inflação estava com os dias contados: mais alguns meses e o problema estaria superado. Por que perderam essa aposta?

Antes de examinar essa questão, vale ressaltar dois aspectos. Primeiro, foi bastante tardio o abandono do discurso da irrelevância do efeito das commodities sobre a inflação. Segundo, é necessário esclarecer a relação entre preços de commodities e inflação, pois há divergências significativas.

Alguns consideram que o efeito sobre a inflação terminará quando os preços das commodities caírem para níveis anteriores à atual fase de alta. Para outros, esse efeito vai se esgotar quando esses preços deixarem de subir.

Outros ainda consideram que, mesmo que os preços parem de subir, o impacto perdurará até que os demais preços se ajustem ao novo patamar alcançado pelos preços relativos das commodities.

Quais as chances de os preços das commodities caírem bastante no curto prazo? Muito pequenas. As condicionantes macroeconômicas não vão se alterar nesse prazo.

Seria prudente, porém, esperar que os preços das commodities deixem de subir a partir dos patamares atuais? Isso depende da ocorrência ou não de eventos climáticos graves, cada vez mais frequentes, infelizmente.

O mesmo se pode dizer de crises e distúrbios sociopolíticos. Todavia, dentro de certa normalidade nesses quesitos e mantido o cenário econômico interno e externo dos últimos anos, os preços médios das commodities, se não continuarem subindo, continuarão próximos dos atuais.

Isso poderia sugerir que o impacto inflacionário dos mesmos estaria terminado. Ledo e perigoso engano.

A economia brasileira encontra-se em processo de digestão da mudança de preços relativos havida internacionalmente e internalizada via transações comerciais e financeiras. No caso dos alimentos, desde 2000 o aumento real em dólares foi de quase 50%; no Brasil, o ajuste real foi de apenas 17% ao atacado e de 15% ao consumidor.

Essa disparidade ocorre por causa da inflação interna que ajuda muito a valorizar a taxa real de câmbio. Com isso, os preços relativos no Brasil ficam fora da realidade, prejudicando a eficiência.

A aceleração da inflação, por sua vez, decorre de reajustes quase generalizados dos preços de serviços e de produtos industriais, que somente se viabilizam porque não encontram resistência da parte das políticas macroeconômicas brasileiras.

Com isso, mesmo o chamado núcleo da inflação (sem contar as commodities) já estourou a meta do Copom para a inflação cheia.

Medidas firmes de reversão desse quadro deveriam ter sido tomadas há mais de seis meses em resposta à alta das commodities.

A evolução do IPCA só não é mais rápida graças à contenção artificial dos chamados preços administrados (combustíveis, utilidades públicas, remédios etc.), que em 2010, por exemplo, cresceram menos da metade do que os preços livres. Como isso ficará quando o represamento tornar-se insustentável economicamente?

Moral da história: mesmo que a meta fosse controlar o núcleo da inflação, o comportamento das commodities deveria orientar a estratégia a ser adotada.


Geraldo Barros é professor titular da USP/Esalq e coordenador científico do Cepea/Esalq/USP

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