O ESTADO DE S. PAULO, Washington Novaes, 06 de maio de 2011
Seria cômica se não tivesse - como tem - consequências literalmente funestas a problemática da ocupação do espaço urbano por veículos, que nele se tornaram a principal personagem - a ponto de, já há alguns anos, a Associação Nacional de Transportes Públicos dizer que na cidade de São Paulo mais de 50% do espaço, incluídos vias públicas, praças, garagens e estacionamentos, se destina a veículos. O ângulo quase cômico fica por conta de algumas notícias dos últimos dias: 1) Um projeto de oito empresas, lideradas por Itaipu, já consegue produzir no Brasil um ônibus elétrico híbrido, com motor de combustão alimentado por etanol, movimentado por motor elétrico - portanto, silencioso e com emissões mínimas de gases; 2) também na Alemanha estão sendo produzidos carros elétricos silenciosos; 3) mas neste mesmo momento entra em vigor nos Estados Unidos lei que obriga automóveis elétricos e híbridos a gerar "um mínimo" de ruídos, capaz de alertar para sua presença portadores de deficiência visual e idosos, já que com esses veículos a possibilidade de atropelar deficientes é duas vezes maior - e com essa providência os dispositivos especiais consumirão combustível, emitirão poluentes e intensificarão os ruídos urbanos.
Na verdade, de cada quatro mortes no trânsito em São Paulo, duas acontecem com pessoas que atravessam vias públicas e são atropeladas. Por isso estão sendo criadas 11 zonas de proteção ampliada a pedestres, com sinalização específica, mais agentes orientadores de pedestres e veículos (com bandeirolas) - a começar pelo trajeto Centro-Avenida Paulista, onde aconteceram 11% das mortes em 2010 (Estado, 29/4).
É inacreditável que, com grande parte das cidades brasileiras já mergulhadas em situações insustentáveis nessa área, não se tenha ainda políticas realmente adequadas e eficazes para enfrentá-las - ao mesmo tempo que se continua a estimular, até com isenção de impostos, o crescimento das frotas. Talvez se argumente que, a partir deste mês, todas as unidades da Federação serão obrigadas a implantar sistemas de inspeção e controle de ruídos, emissão de gases e partículas poluentes (imprensamma, 1.º/3). Mas existe um programa de inspeção e controle de veículos desde 1996 e pouca eficácia teve, com Estados e municípios disputando as verbas cobradas dos condutores.
Enquanto isso, vão crescendo a frota e a ocupação de espaços. Em São Paulo, são 7 milhões de veículos que, colocados um atrás do outro, formariam uma fila de 21 milhões de metros, ou 21 mil quilômetros, de extensão (3 metros por veículo), para uma rede viária asfaltada de 17 mil quilômetros (Veja, 18/4). Faz lembrar os idos de 1970, quando o autor destas linhas, com dificuldade de atuar como jornalista por causa da ditadura, trabalhou um tempo com o competente e renomado arquiteto Sérgio Bernardes. Preocupado com a expansão desordenada das cidades e a perda do ambiente circundante, Sérgio idealizou uma cidade vertical para uma parte da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com 16 torres, cada uma com mais de 100 metros de altura (um cientista suíço fez os cálculos dos impactos de ventos) e um total de mais de 8 mil apartamentos. O conjunto seria cercado por uma espécie de Maracanã com milhares de vagas para garagens e alguns pavimentos destinados ao comércio de tudo o que se consumisse nas casas. Com isso todo o entorno poderia ser mantido como área verde e ter porções destinadas à produção de alimentos orgânicos. Mas o projeto empacou exatamente na questão dos veículos: se metade dos moradores saísse pela manhã com seu automóvel e regressasse no fim do dia, seriam pelo menos 4 mil veículos saindo ou entrando na mesma hora, o que significaria filas de uns 20 quilômetros.
Hoje, já são no País 35,3 milhões de veículos (Estado, 5/9/2010), 66% mais que em 2001, e seis das dez cidades com mais carros per capita estão no eixo São Paulo-Campinas. Por isso mesmo, as principais obras viárias na capital em uma década consumiram mais recursos - R$ 13,5 bilhões - que a expansão do metrô no mesmo período - R$ 12 bilhões (Folha de S.Paulo, 15/8/2010). A primeira importância, aplicada na expansão do metrô, permitiria uma expansão de 50%, num período em que ele só teve poucos quilômetros mais.
Já são muitos os estudos sobre os desperdícios nos congestionamentos. Um deles, de Juliano Borghi, na Fundação Getúlio Vargas, diz que a cidade de São Paulo perde R$ 55 bilhões por ano (27 dias, somando 2,42 horas de cada um dos 365 dias) e deixa de produzir R$ 27 bilhões (Estado, 19/9/2010). Em 29 anos a frota de veículos cresceu 695%. A cidade já emite 1,4 tonelada de poluentes por habitante a cada ano. A inspeção veicular ambiental em 2010 só atingiu dois terços da frota. E o governo espera que a venda de veículos em 2025 atinja 6,8 milhões por ano (3,5 milhões em 2010).
Não é preciso reiterar, aqui, os números de vítimas na área da saúde. Nem as mortes no trânsito. Mas é curioso que, num tempo em que prevalecem em toda parte as lógicas financeiras, na área dos transportes, elas só valham para os fabricantes de veículos e atividades com eles relacionadas. Aonde se pensa chegar com a expansão absolutamente descontrolada da frota?
É evidente, como já se escreveu aqui, que muitas coisas podem ser feitas. Como exigir que o comprador de um veículo novo retire outro de circulação, o que tantos países já fazem. Ou que se criem áreas urbanas com pedágio, para desincentivar o transporte individual e aumentar a velocidade dos coletivos. Que se ampliem os rodízios. Que a expansão do metrô tenha prioridade sobre qualquer outro investimento no setor viário. Que a inspeção de veículos seja muito rigorosa e consiga reduzir emissões de poluentes e ruídos. Que haja uma política nacional que torne obrigatório o uso de combustíveis não poluentes. E estímulos a veículos híbridos e elétricos - entre muitos itens possíveis. Como está é que não pode ficar.
Seria cômica se não tivesse - como tem - consequências literalmente funestas a problemática da ocupação do espaço urbano por veículos, que nele se tornaram a principal personagem - a ponto de, já há alguns anos, a Associação Nacional de Transportes Públicos dizer que na cidade de São Paulo mais de 50% do espaço, incluídos vias públicas, praças, garagens e estacionamentos, se destina a veículos. O ângulo quase cômico fica por conta de algumas notícias dos últimos dias: 1) Um projeto de oito empresas, lideradas por Itaipu, já consegue produzir no Brasil um ônibus elétrico híbrido, com motor de combustão alimentado por etanol, movimentado por motor elétrico - portanto, silencioso e com emissões mínimas de gases; 2) também na Alemanha estão sendo produzidos carros elétricos silenciosos; 3) mas neste mesmo momento entra em vigor nos Estados Unidos lei que obriga automóveis elétricos e híbridos a gerar "um mínimo" de ruídos, capaz de alertar para sua presença portadores de deficiência visual e idosos, já que com esses veículos a possibilidade de atropelar deficientes é duas vezes maior - e com essa providência os dispositivos especiais consumirão combustível, emitirão poluentes e intensificarão os ruídos urbanos.
Na verdade, de cada quatro mortes no trânsito em São Paulo, duas acontecem com pessoas que atravessam vias públicas e são atropeladas. Por isso estão sendo criadas 11 zonas de proteção ampliada a pedestres, com sinalização específica, mais agentes orientadores de pedestres e veículos (com bandeirolas) - a começar pelo trajeto Centro-Avenida Paulista, onde aconteceram 11% das mortes em 2010 (Estado, 29/4).
É inacreditável que, com grande parte das cidades brasileiras já mergulhadas em situações insustentáveis nessa área, não se tenha ainda políticas realmente adequadas e eficazes para enfrentá-las - ao mesmo tempo que se continua a estimular, até com isenção de impostos, o crescimento das frotas. Talvez se argumente que, a partir deste mês, todas as unidades da Federação serão obrigadas a implantar sistemas de inspeção e controle de ruídos, emissão de gases e partículas poluentes (imprensamma, 1.º/3). Mas existe um programa de inspeção e controle de veículos desde 1996 e pouca eficácia teve, com Estados e municípios disputando as verbas cobradas dos condutores.
Enquanto isso, vão crescendo a frota e a ocupação de espaços. Em São Paulo, são 7 milhões de veículos que, colocados um atrás do outro, formariam uma fila de 21 milhões de metros, ou 21 mil quilômetros, de extensão (3 metros por veículo), para uma rede viária asfaltada de 17 mil quilômetros (Veja, 18/4). Faz lembrar os idos de 1970, quando o autor destas linhas, com dificuldade de atuar como jornalista por causa da ditadura, trabalhou um tempo com o competente e renomado arquiteto Sérgio Bernardes. Preocupado com a expansão desordenada das cidades e a perda do ambiente circundante, Sérgio idealizou uma cidade vertical para uma parte da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com 16 torres, cada uma com mais de 100 metros de altura (um cientista suíço fez os cálculos dos impactos de ventos) e um total de mais de 8 mil apartamentos. O conjunto seria cercado por uma espécie de Maracanã com milhares de vagas para garagens e alguns pavimentos destinados ao comércio de tudo o que se consumisse nas casas. Com isso todo o entorno poderia ser mantido como área verde e ter porções destinadas à produção de alimentos orgânicos. Mas o projeto empacou exatamente na questão dos veículos: se metade dos moradores saísse pela manhã com seu automóvel e regressasse no fim do dia, seriam pelo menos 4 mil veículos saindo ou entrando na mesma hora, o que significaria filas de uns 20 quilômetros.
Hoje, já são no País 35,3 milhões de veículos (Estado, 5/9/2010), 66% mais que em 2001, e seis das dez cidades com mais carros per capita estão no eixo São Paulo-Campinas. Por isso mesmo, as principais obras viárias na capital em uma década consumiram mais recursos - R$ 13,5 bilhões - que a expansão do metrô no mesmo período - R$ 12 bilhões (Folha de S.Paulo, 15/8/2010). A primeira importância, aplicada na expansão do metrô, permitiria uma expansão de 50%, num período em que ele só teve poucos quilômetros mais.
Já são muitos os estudos sobre os desperdícios nos congestionamentos. Um deles, de Juliano Borghi, na Fundação Getúlio Vargas, diz que a cidade de São Paulo perde R$ 55 bilhões por ano (27 dias, somando 2,42 horas de cada um dos 365 dias) e deixa de produzir R$ 27 bilhões (Estado, 19/9/2010). Em 29 anos a frota de veículos cresceu 695%. A cidade já emite 1,4 tonelada de poluentes por habitante a cada ano. A inspeção veicular ambiental em 2010 só atingiu dois terços da frota. E o governo espera que a venda de veículos em 2025 atinja 6,8 milhões por ano (3,5 milhões em 2010).
Não é preciso reiterar, aqui, os números de vítimas na área da saúde. Nem as mortes no trânsito. Mas é curioso que, num tempo em que prevalecem em toda parte as lógicas financeiras, na área dos transportes, elas só valham para os fabricantes de veículos e atividades com eles relacionadas. Aonde se pensa chegar com a expansão absolutamente descontrolada da frota?
É evidente, como já se escreveu aqui, que muitas coisas podem ser feitas. Como exigir que o comprador de um veículo novo retire outro de circulação, o que tantos países já fazem. Ou que se criem áreas urbanas com pedágio, para desincentivar o transporte individual e aumentar a velocidade dos coletivos. Que se ampliem os rodízios. Que a expansão do metrô tenha prioridade sobre qualquer outro investimento no setor viário. Que a inspeção de veículos seja muito rigorosa e consiga reduzir emissões de poluentes e ruídos. Que haja uma política nacional que torne obrigatório o uso de combustíveis não poluentes. E estímulos a veículos híbridos e elétricos - entre muitos itens possíveis. Como está é que não pode ficar.
Washington Novaes: Hoje é o Dia Nacional da Caatinga e a situação no bioma é grave
Especialistas dizem que é preciso conviver com a caatinga e não tratá-la como outras regiões. O colunista Washington Novaes fala sobre a importância do bioma para o país e possíveis soluções.
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