quarta-feira, 13 de abril de 2011

Demissão de ex-ator expõe falhas na nomeação de comissionados

GAZETA DO POVO, 13 de abril de 2011

Exoneração de ex-chefe do IAP de Cascavel teria sido motivada por Valter Pagliosa não ter informado a participação em um filme erótico


A demissão do ex-chefe regional do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em Cascavel Valter Pagliosa revela ambiguidades e a utilização de critérios políticos para a contratação de funcionários sem concurso público no governo do estado. Segundo justificou ontem o chefe da Casa Civil, Durval Amaral, a exoneração ocorreu porque ele omitiu do currículo a participação no filme erótico A outra metade, de 2006. O ex-ator, porém, admitiu que a nomeação foi uma recompensa pelo trabalho nas campanhas eleitorais do deputado estadual Adelino Ribeiro (PSL) e do governador Beto Richa (PSDB).

Antes de virar chefe, Pagliosa, de 27 anos, atuou em outro filme (de conteúdo religioso), fez um curso técnico na área ambiental, trabalhou em uma ONG e foi estagiário do IAP por oito meses. “Essas experiências podem não ser uma maravilha, mas se metade dos assessores escolhidos pelos políticos brasileiros tivesse feito pelo menos um cursinho técnico já teríamos um quadro técnico incrivelmente melhor”, opina o professor de Ética e Filosofia Roberto Romano, da Universidade de Campinas. Para ele, o episódio está mais ligado ao preconceito pela participação em um filme supostamente pornográfico e os impactos disso na opinião pública do que à análise de qualificação profissional.

O ex-ator definiu a produção como “romântico-erótica”, em que há cenas de nudez, mas sem sexo. A distribuição ficou restrita às locadoras de Cascavel, mas pode ser encontrada na internet com a classificação de gênero “adulto”. Pelas explicações de Durval Amaral, o governo não recriminou o trabalho no filme, mas o fato de ele não ter colocado isso no currículo.

“O governo age com retidão e seriedade. Exonera a bem do serviço público. No caso, houve quebra de confiança”, disse o chefe da Casa Civil. Segundo informações da Secretaria Estadual de Administração e da Previdência (Seap), no entanto, não há um protocolo de checagem de informações prestadas pelos funcionários contratados sem concurso.

Ao serem admitidos, eles apenas preenchem declarações com dados patrimoniais, de escolaridade e parentesco (para cumprimento da súmula antinepotismo de 2007), mas nada é verificado formalmente. Hoje, o governo do estado mantém 3.146 comissionados, que geram um custo mensal de R$ 7,2 milhões. Em dezembro do ano passado, ainda na gestão Orlando Pessuti (PMDB), o número era de 4.040 (despesa de R$ 9,2 milhões).

“Ele fez o filme quando tinha 19 anos. Agora é casado, tem filhos, virou evangélico. Mas, infelizmente, política é assim e ele pagou o preço. Inclusive, ele me procurou para entregar o cargo antes mesmo de ser demitido, porque não queria prejudicar o governo”, afirmou Adelino Ribeiro.

Conceito - O cientista político e especialista em administração pública João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília, avalia que o problema não está no conceito dos cargos de livre nomeação, mas na forma como eles são preenchidos. “A culpa é dos políticos que utilizam mal os recursos que têm à disposição. Escolher pessoas a partir da qualificação é uma forma de melhorar o governo”, afirma Peixoto.

Na avaliação de Romano, a realidade é que esses postos são preenchidos apenas com fins eleitorais e não com a preocupação de se implementar políticas públicas adequadas à linha ideológica do partido. Isso se aplica, segundo ele, em todas as esferas – municípios, estados e União e nos poderes Executivo e Legislativo. “A qualificação que mais conta é ser um bom cabo eleitoral. Pornográfica mesmo é essa prática dos políticos, não esse ou aquele filme”, diz o professor.


30% das nomeações são políticas
No Instituto Ambiental do Paraná, 7 das 21 nomeações dos chefes dos escritórios regionais têm natureza política e atenderam a indicações de deputados ou grupos políticos de influência nas áreas de atuação dos escritórios regionais. Esse número contraria uma promessa feita pelo governador Beto Richa durante a campanha eleitoral. “Não vou aparelhar o estado com a companheirada”, costumava repetir o então candidato para garantir que as nomeações de cargos de chefia teriam critério estritamente técnico. Em outros órgãos do governo estadual, o número de indicações políticas é ainda maior.

Para o presidente do IAP, Luiz Tarcísio Mossato Pinto, é normal que haja um equilíbrio entre quadros técnicos do instituto e outros indicados politicamente. “As nomeações são feitas depois uma avaliação da ficha funcional e do currículo de cada servidor pela Casa Civil e governadoria. São pessoas com capacidade para assumir as chefias regionais”, afirma.

Um dos casos de indicações políticas era o do chefe do escritório regional de Cascavel, Valter Pagliosa, afastado na segunda feira, após polêmica envolvendo sua biografia. Outros seis casos de chefes de escritórios regionais estão na mesma situação.

O presidente do IAP salienta que tanto os nomeados técnicos quanto os servidores de carreira estão sujeitos ao contrato de gestão imposto pela administração estadual. “Como presidente do IAP, tenho que cumprir metas acordadas com a administração estadual. Meus subordinados precisam seguir a mesma orientação. Se não atingirem serão desligados“, diz.

Mossato contou que nos primeiros três meses de gestão, o IAP passou por um levantamento das necessidades e possibilidades. Se­­­gundo o presidente, ainda é cedo para afirmar se é necessária a abertura de concurso público para a contratação de novos técnicos.

Os chefes dos escritórios regionais estão participando desde segunda feira de um encontro dos órgãos ligados a Secretaria Estadual do Meio Am­­­biente – IAP, Águas do Paraná e Ins­­tituto de Terras, Cartografias e Geociências (ITCG) – em um hotel no centro de Curitiba. Segundo a assessoria do evento, a reunião visa uniformizar o trabalho e estabelecer limites de funções entre as entidades.



Entrevista melhoraria seleção
Iniciativas simples como a realização de entrevista pessoal, checagem de referências e a aplicação de exame psicotécnico contribuiriam para melhorar a seleção de funcionários comissionados no serviço público. A avaliação é do gerente da empresa de recrutamento Michael Page na Região Sul, Roberto Picino. “Não é nada de outro mundo, apenas uma medida para colocar os melhores profissionais sentados nas cadeiras certas”, diz.

Picino concorda que os critérios de seleção do setor público são bem diferentes dos privados, mas que o uso de algumas ferramentas profissionais evitam surpresas. “Pode encarecer um pouco, mas acaba sendo um investimento.” Sem fazer juízo de valor, ele disse que “omissões” de informações como a que supostamente ocorreu com o ex-ator Valter Pagliosa também acontecem no mundo corporativo, mas são mais raras graças à checagem das informações.

Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Paraná, Álvaro José Cabrini Júnior, o modelo de preenchimento das vagas no serviço público acaba criando um círculo vicioso que prejudica a renovação dos quadros.


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