quinta-feira, 21 de abril de 2011

Fragmentação metropolitana e gestão urbana

CORREIO BRAZILIENSE, Aldo Paviani, 21 de abril de 2011


Com o gigantismo de algumas cidades brasileiras, parece interminável a lista de demandas sem planos, projetos e a correspondente cobertura orçamentária. Ademais, a lentidão de medidas político-administrativas (e legais) coloca desafios para a gestão urbana de grandes aglomerados. A boa vontade de governantes esbarra na ausência de aderência ao Estatuto da Cidade, que demanda ajustamentos aos planos diretores locais. No caso de Brasília, o exemplo mais recente é o da necessidade de rever o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), por ter sido aprovado de afogadilho no apagar das luzes de 2010. Nele há dispositivos inconstitucionais, orientados para o uso (especulativo) da terra sem ampla consulta à sociedade.

Há problemas no Distrito Federal (DF) que podem ser atribuídos ao formato do povoamento, claramente calcado em núcleos múltiplos. O polinucleamento gerou uma metrópole fragmentada, mas articulada política, econômica e geograficamente. No entanto, essa articulação fincou raízes no centralismo da gestão urbana e na falta de planejamento metropolitano e regional. Perdeu-se, na organização dos primeiros assentamentos, a oportunidade de dispersar a população e as oportunidades de trabalho. Poucos núcleos são verdadeiras “cidades-satélites”; isto é, assentamentos dotados de “relativa autonomia”, como estipula o Vocabulário de Geografia Urbana do Instituto Panamericano de Geografia e História (IPGH). Essa instituição, organismo especializado da Organização dos Estados Americanos (OEA), visa “repensar a América no século XXI”.

Por isso, ao serem pensados novos assentamentos, a partir de Taguatinga, em 1958, faltaram planos para atingir a “relativa autonomia”. Esses assentamentos deveriam ser mais que apenas lugares para moradia, sendo capazes de reter em si mesmos a massa trabalhadora neles assentada. Vale lembrar que, as localidades periféricas ao Plano Piloto receberam repetidamente moradores das chamadas “grandes invasões” ou das “localidades provisórias”. As “invasões” iniciais
eram favelas erguidas junto à antiga Cidade Livre (Núcleo Bandeirante) e as localidades provisórias eram acampamentos das construtoras a serem desconstituídos após as obras no centro. A essa população transferida compulsoriamente, juntaram-se posteriormente migrantes, atraídos pela oferta de trabalho braçal e os funcionários públicos abonados com a “dobradinha” — salário em dobro para tornar atrativa a transferência dos mesmos da antiga capital, o Rio de Janeiro.

Erguidos de forma apressada para acolher essa população “extra”, os diversos núcleos criados não receberam a infraestrutura física e social para, aos poucos, perderem a dependência em relação ao centro, tal como acontece em cidades não projetadas. Ao longo do tempo, faltaram às diversas administrações do DF iniciativas e arrojo para retirar a pecha de cidades dormitórios desses assentamentos. Com isso, ao completar 51 anos, a amadurecida capital federal enfrenta problemas comuns às demais metrópoles brasileiras: centralismo das atividades e serviços, insuficiência (ou falência) do transporte coletivo, lacunas de moradia para as classes desfavorecidas, problemas com o escoamento das águas da chuva com consequentes enchentes e deslizamentos de encostas e conhecidos prejuízos para moradores, comércio e instituições urbanas. A este quadro, somam-se questões de desemprego e segurança pública, enormes desafios para o futuro de Brasília.

Portanto, é urgente a elaboração de planos para a descentralização das atividades, ampliação da oferta de trabalho, transportes públicos para evitar a congestão urbana, combate à criminalidade — muitas vezes associada ao tráfico e consumo de drogas. Exige-se também consciência ecológica, pois Brasília dá sinais de problemas ambientais, como o alagamento que recentemente se abateu sobre a Asa Norte e a Universidade de Brasília. É necessário que haja ampliação da rede de captação das enxurradas, redução das superfícies impermeabilizadas e correspondente uso da vegetação como elemento de barragem às torrentes, como as deste mês de abril. Grama e plantas ajudarão também a aumentar a capacidade do lençol freático e amenizar os períodos de seca. A proliferação de poços artesianos e a grilagem de terras, elementos danosos ao ambiente e à economia, precisam ser combatidas para que as futuras gerações não herdem um território dilapidado e inóspito.

Aldo Paviani é professor titular aposentado e pesquisador associado da UnB. Coordenador da Coleção Brasília, da Editora da UnB

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