GAZETA DO POVO, 10 de maio de 2011
Dois terços dos municípios do estado receberam mais recursos com internamentos hospitalares do que deveriam. Governo estima rombo de R$ 7 milhões
Nenhum estado brasileiro gastou mais com internações hospitalares em 2010 do que o Paraná – seja na quantidade de procedimentos por habitante como na despesa proporcional ao número de moradores, segundo dados do Datasus, do Ministério da Saúde. O primeiro lugar, no entanto, é resultado de uma artimanha: dois terços dos municípios excederam o limite de custeio para internamentos estabelecido pelo próprio governo, em comum acordo com as prefeituras. Até o mês passado, cada cidade poderia internar por ano o equivalente a no máximo 8% da população local, recebendo recursos de acordo com o número de autorizações de internamento hospitalar (AIHs) emitidas.
Mas não foi isso que ocorreu. Pelo menos 264 dos 399 municípios apresentaram gastos acima da cota, que, em alguns casos, chegou a 14% da população. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) estima que o excedente com internações causou um rombo de R$ 7 milhões no ano passado. Em negociação com o governo federal, o Paraná conseguiu verba para cobrir a dívida, mas precisou se comprometer a rever a sistemática de internações. Agora, o limite baixou para 7,5% e a Sesa promete fazer um controle rigoroso do cumprimento do teto.
Essa medida deve ter dois efeitos imediatos: ampliar os problemas financeiros da maioria dos hospitais do estado e forçar uma reavaliação de todo o sistema de saúde no Paraná, com foco na atenção básica e preventiva. Em tese, ninguém deixará de ser internado por falta de AIH. Mas sobrará para as prefeituras arcar com as despesas que excederem o limite. Situação que provoca ainda mais reclamação. Gestores municipais alegam já gastar em saúde muito além do que podem e do que determina a lei – 15% do orçamento. A Associação dos Municípios do Noroeste Paranaense (Amunpar), por exemplo, emitiu uma nota pública contestando a redução na proporção do repasse.
Valores - O dinheiro que custeia os internamentos vem do governo federal, mas é o estado que regula os gastos. De partos a transplantes, cada procedimento médico gera uma AIH e o valor de cada guia varia de acordo com a complexidade do procedimento – de R$ 400 a R$ 70 mil. No Paraná, o custo médio é de R$ 1 mil. Por mês, acontecem 65 mil internações nos 458 hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado.
A Sesa evita falar em diminuição de recursos para os hospitais. Argumenta que determinou a redução na faixa proporcional de AIHs, mas atualizou a base do número de moradores, agora feita de acordo com o Censo de 2010. Há dez anos, 8% da população do Paraná representavam 762 mil pessoas e atualmente 7,5% equivalem a 782 mil pessoas – ou seja, com a atualização da base populacional, a diminuição no limite de AIHs ainda significaria mais repasses.
Em Uraí, no Norte do Paraná, a redução de meio ponto porcentual no repasse de verbas de AIHs representará R$ 7,5 mil a menos por mês. A cidade tem 40 leitos e recebe do SUS por 89 internamentos mensais, sendo que 23 são de São Jerônimo, que encaminha basicamente partos, e cinco de Rancho Alegre. Os dois municípios não têm hospital. “O dinheiro das AIHs vai para custear o funcionamento do hospital e ainda falta”, conta o secretário municipal, Donizete Ruiz Pinha.
No ano passado, o hospital já passou por problemas financeiros e foi feito um empréstimo consignado, com base no valor de repasse de AIH, para pagar as dívidas. Para este ano, a alternativa foi rifar um terreno para conseguir mais recursos. “Será que estamos preparados para perder os pequenos hospitais sem que haja morte de pacientes?”, indaga.
Segundo a superintendente de Gestão em Saúde da Sesa, Márcia Huçulak, apesar de gastar mais com internações, o Paraná não tem o melhor sistema de saúde. “Nossa população está insatisfeita com a assistência que recebe, e com razão. Temos leitos em quantidade suficiente, mas falta qualidade. Portanto, é preciso mudar esse sistema, e mudar radicalmente qualificando o gasto e melhorando a assistência”, avalia.
A Sesa alega que o parâmetro de 7,5% segue uma diretriz do Conselho Nacional de Saúde e que houve acordo sobre a redução dos parâmetros numa comissão formada por representantes dos municípios.
Cidades vão perder hospitais, dizem gestores - Gestores municipais ouvidos pela reportagem e que pediram anonimato afirmam que o novo teto para internações e o rigor no cumprimento da regra vão inviabilizar a administração hospitalar em muitas cidades. “Qualquer redução [no repasse de verbas], mesmo que pequena, vai derrubar os hospitais pequenos, que já trabalham no vermelho”, diz um deles.
Os administradores acreditam que a situação caminha para um cenário de cidades pequenas sem hospital para partos e procedimentos mais simples e de cidades maiores com hospitais cada vez mais superlotados. “Vamos voltar à era das ambulâncias em que a única coisa que as cidades menores podiam fazer era encaminhar pacientes para os hospitais maiores”, afirma outro gestor.
Um terceiro gestor consultado faz uma previsão pessimista: a redução no número de AIHs (autorizações para internação hospitalar) acarretará no fechamento em massa de pequenos hospitais. “O comentário é um só: a quantidade de autorizações já era insuficiente para os atendimentos”. Para ele, o que fez com que pequenos hospitais diminuíssem a capacidade de resolver os problemas dos pacientes foi a gradativa retirada de AIHs para os centros maiores, levando o recurso e assim também os profissionais qualificados. “É necessário alimentar a rede hospitalar e não acabar com ela”, afirma.
O presidente da Federação dos Hospitais do Paraná, Renato Merolli, informa que a entidade está levantando informações para calcular o impacto que a redução do teto (de 8% para 7,5%) terá no sistema, mas declara que atualmente já está complicado manter os estabelecimentos.
Dois terços dos municípios do estado receberam mais recursos com internamentos hospitalares do que deveriam. Governo estima rombo de R$ 7 milhões
Nenhum estado brasileiro gastou mais com internações hospitalares em 2010 do que o Paraná – seja na quantidade de procedimentos por habitante como na despesa proporcional ao número de moradores, segundo dados do Datasus, do Ministério da Saúde. O primeiro lugar, no entanto, é resultado de uma artimanha: dois terços dos municípios excederam o limite de custeio para internamentos estabelecido pelo próprio governo, em comum acordo com as prefeituras. Até o mês passado, cada cidade poderia internar por ano o equivalente a no máximo 8% da população local, recebendo recursos de acordo com o número de autorizações de internamento hospitalar (AIHs) emitidas.
Mas não foi isso que ocorreu. Pelo menos 264 dos 399 municípios apresentaram gastos acima da cota, que, em alguns casos, chegou a 14% da população. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) estima que o excedente com internações causou um rombo de R$ 7 milhões no ano passado. Em negociação com o governo federal, o Paraná conseguiu verba para cobrir a dívida, mas precisou se comprometer a rever a sistemática de internações. Agora, o limite baixou para 7,5% e a Sesa promete fazer um controle rigoroso do cumprimento do teto.
Essa medida deve ter dois efeitos imediatos: ampliar os problemas financeiros da maioria dos hospitais do estado e forçar uma reavaliação de todo o sistema de saúde no Paraná, com foco na atenção básica e preventiva. Em tese, ninguém deixará de ser internado por falta de AIH. Mas sobrará para as prefeituras arcar com as despesas que excederem o limite. Situação que provoca ainda mais reclamação. Gestores municipais alegam já gastar em saúde muito além do que podem e do que determina a lei – 15% do orçamento. A Associação dos Municípios do Noroeste Paranaense (Amunpar), por exemplo, emitiu uma nota pública contestando a redução na proporção do repasse.
Valores - O dinheiro que custeia os internamentos vem do governo federal, mas é o estado que regula os gastos. De partos a transplantes, cada procedimento médico gera uma AIH e o valor de cada guia varia de acordo com a complexidade do procedimento – de R$ 400 a R$ 70 mil. No Paraná, o custo médio é de R$ 1 mil. Por mês, acontecem 65 mil internações nos 458 hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no estado.
A Sesa evita falar em diminuição de recursos para os hospitais. Argumenta que determinou a redução na faixa proporcional de AIHs, mas atualizou a base do número de moradores, agora feita de acordo com o Censo de 2010. Há dez anos, 8% da população do Paraná representavam 762 mil pessoas e atualmente 7,5% equivalem a 782 mil pessoas – ou seja, com a atualização da base populacional, a diminuição no limite de AIHs ainda significaria mais repasses.
Em Uraí, no Norte do Paraná, a redução de meio ponto porcentual no repasse de verbas de AIHs representará R$ 7,5 mil a menos por mês. A cidade tem 40 leitos e recebe do SUS por 89 internamentos mensais, sendo que 23 são de São Jerônimo, que encaminha basicamente partos, e cinco de Rancho Alegre. Os dois municípios não têm hospital. “O dinheiro das AIHs vai para custear o funcionamento do hospital e ainda falta”, conta o secretário municipal, Donizete Ruiz Pinha.
No ano passado, o hospital já passou por problemas financeiros e foi feito um empréstimo consignado, com base no valor de repasse de AIH, para pagar as dívidas. Para este ano, a alternativa foi rifar um terreno para conseguir mais recursos. “Será que estamos preparados para perder os pequenos hospitais sem que haja morte de pacientes?”, indaga.
Segundo a superintendente de Gestão em Saúde da Sesa, Márcia Huçulak, apesar de gastar mais com internações, o Paraná não tem o melhor sistema de saúde. “Nossa população está insatisfeita com a assistência que recebe, e com razão. Temos leitos em quantidade suficiente, mas falta qualidade. Portanto, é preciso mudar esse sistema, e mudar radicalmente qualificando o gasto e melhorando a assistência”, avalia.
A Sesa alega que o parâmetro de 7,5% segue uma diretriz do Conselho Nacional de Saúde e que houve acordo sobre a redução dos parâmetros numa comissão formada por representantes dos municípios.
Cidades vão perder hospitais, dizem gestores - Gestores municipais ouvidos pela reportagem e que pediram anonimato afirmam que o novo teto para internações e o rigor no cumprimento da regra vão inviabilizar a administração hospitalar em muitas cidades. “Qualquer redução [no repasse de verbas], mesmo que pequena, vai derrubar os hospitais pequenos, que já trabalham no vermelho”, diz um deles.
Os administradores acreditam que a situação caminha para um cenário de cidades pequenas sem hospital para partos e procedimentos mais simples e de cidades maiores com hospitais cada vez mais superlotados. “Vamos voltar à era das ambulâncias em que a única coisa que as cidades menores podiam fazer era encaminhar pacientes para os hospitais maiores”, afirma outro gestor.
Um terceiro gestor consultado faz uma previsão pessimista: a redução no número de AIHs (autorizações para internação hospitalar) acarretará no fechamento em massa de pequenos hospitais. “O comentário é um só: a quantidade de autorizações já era insuficiente para os atendimentos”. Para ele, o que fez com que pequenos hospitais diminuíssem a capacidade de resolver os problemas dos pacientes foi a gradativa retirada de AIHs para os centros maiores, levando o recurso e assim também os profissionais qualificados. “É necessário alimentar a rede hospitalar e não acabar com ela”, afirma.
O presidente da Federação dos Hospitais do Paraná, Renato Merolli, informa que a entidade está levantando informações para calcular o impacto que a redução do teto (de 8% para 7,5%) terá no sistema, mas declara que atualmente já está complicado manter os estabelecimentos.
FRAUDE:
Procedimentos “fantasmas”
Extraoficialmente e sem apresentar provas, alguns gestores municipais consultados pela reportagem disseram ser usual que administrações hospitalares incluam no relatório de despesas algumas internações que não foram feitas. “Para manter um hospital funcionando é necessário pagar água, luz, funcionários, materiais de escritório. E o recurso vem dos internamentos. Se não internar, não tem grana”, explica um deles, que pediu para não se identificar. Há também casos de faturamento de AIHs (autorizações de internamento hospitalar) pelo teto máximo – mesmo que os procedimentos realizados sejam mais baratos. “Tem hospital que inventa internamento para garantir um valor maior da AIH. Na maioria dos casos, a doença que levou o paciente a ser internado é uma dor aguda, como um cálculo renal, que muitas vezes nem tem como cobrar, pois não gera internamento”, diz outro entrevistado.
O problema estaria na lógica do sistema, que remunera os hospitais por internamento. Então, se não interna, não há repasse de recursos. Há um sistema de auditoria nas internações e a Secretaria de Estado da Saúde detectou casos de fraudes que geraram processos de ressarcimento dos recursos.
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